Foi no mês de agosto que começamos a contar o tempo, foram naqueles
dias que aprendi a acompanhar os ponteiros incansáveis e invisíveis. Foi encontro
marcado pelo destino, foi momento traçado pela ocasião das vontades. Foi sem
saber que me sentei ao seu lado, foi sem querer que repeti frases para o meu
próprio eu, tão seu sem saber, tão diferente de tudo.
Era coincidência improvável, era a loteria de cabelos
escuros e sorriso aberto.
Falamos de como era perigoso ir fundo demais sobre as ondas,
contamos os acontecimentos de criança, demos risada de nós mesmos, sujamos as
mãos com a areia limpa. Estávamos ali, sentados um ao lado do outro, nossos
tempos haviam parado, as mãos abraçadas envolvendo as pernas denunciavam a
curiosidade trancada a sete chaves. Eu queria me abrir de uma vez por todas.
O céu azul tinha o nosso reflexo, nossa imagem era o céu se
olhando no espelho.
Enquanto eu contava sobre a minha vida, ela deslizava as
mãos sobre os cabelos lisos e longos, seu sorriso me fazia falar. Era um
interrogatório mudo, ela arrancava tudo de mim sem me dizer uma só palavra. Era
a pior das covardias, a covardia consentida, derretida.
Se arriscar no mar era sinônimo de ir mais fundo, eu disse
que nunca tive vocação para molhar o tornozelo no raso, minha devoção era me
afogar de uma só vez e enfrentar as piores ondas, sem medos, sem vacilo.
Ela
sorriu mais uma vez e respirou bem fundo, balançando a cabeça em sinal de
aprovação. Se me perguntasse naquele momento quem eu era, eu não saberia
responder, não era impressão, não era nada, era um achado. Era o ouro do
garimpo.
Ela me olhou nos olhos e me perguntou se eu gostava de tatuagem,
eu respondi que sim e que nunca havia tomado coragem para fazer uma, com rosto
de espanto ela questionou com um ponto de interrogação no tom de voz:
- Como alguém tem coragem de enfrentar o mar, ir mais fundo
e não consegue tomar coragem para fazer uma tatuagem?
Eu sorri em sinal de denúncia, olhei na direção do mar e
respondi como quem conta a vida inteira em pedaços:
- Eu só tenho coragem de enfrentar as ondas, porque elas
levam tudo, elas tiram o que se solta no mais profundo de nós. O que eu faço
questão de deixar ir, a tatuagem nunca será assim.
No fundo da alma meu medo sempre foi ter alguém marcado
demais em mim, e no fundo do mar tinha a certeza da minha liberdade. Ela descruzou
os braços e me abraçou, num ato que me tirou a menor das reações, voltou a me
olhar nos olhos e me mostrou uma tatuagem na parte debaixo do pulso. Eu não
queria sair dali, não queria ter aquele sentimento de me unir a uma pessoa por
um dia e depois me separar por uma vida inteira, queria que aquela fosse a
última vez, o fim da procura. A cura definitiva da cicatriz.
Ela levantou o pulso e me mostrou uma pequena nuvem com dois
corações dentro, eu olhei sem entender e ela me disse:
- Quando alguém nos leva até as nuvens é porque nunca teve
vontade de permanecer sozinho. Lá as ondas do mar não chegam, lá elas nada podem
apagar.
Estávamos ali debaixo
do céu mais perfeito de todos, estava marcado em alguém que sempre esteve marcado
em mim. Estávamos ali sem saber, tatuados num céu de agosto.
W.O.
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