segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Tatuados num céu de Agosto



Foi no mês de agosto que começamos a contar o tempo, foram naqueles dias que aprendi a acompanhar os ponteiros incansáveis e invisíveis. Foi encontro marcado pelo destino, foi momento traçado pela ocasião das vontades. Foi sem saber que me sentei ao seu lado, foi sem querer que repeti frases para o meu próprio eu, tão seu sem saber, tão diferente de tudo.

Era coincidência improvável, era a loteria de cabelos escuros e sorriso aberto.

Falamos de como era perigoso ir fundo demais sobre as ondas, contamos os acontecimentos de criança, demos risada de nós mesmos, sujamos as mãos com a areia limpa. Estávamos ali, sentados um ao lado do outro, nossos tempos haviam parado, as mãos abraçadas envolvendo as pernas denunciavam a curiosidade trancada a sete chaves. Eu queria me abrir de uma vez por todas. 

O céu azul tinha o nosso reflexo, nossa imagem era o céu se olhando no espelho.

Enquanto eu contava sobre a minha vida, ela deslizava as mãos sobre os cabelos lisos e longos, seu sorriso me fazia falar. Era um interrogatório mudo, ela arrancava tudo de mim sem me dizer uma só palavra. Era a pior das covardias, a covardia consentida, derretida.

Se arriscar no mar era sinônimo de ir mais fundo, eu disse que nunca tive vocação para molhar o tornozelo no raso, minha devoção era me afogar de uma só vez e enfrentar as piores ondas, sem medos, sem vacilo. 

Ela sorriu mais uma vez e respirou bem fundo, balançando a cabeça em sinal de aprovação. Se me perguntasse naquele momento quem eu era, eu não saberia responder, não era impressão, não era nada, era um achado. Era o ouro do garimpo.

Ela me olhou nos olhos e me perguntou se eu gostava de tatuagem, eu respondi que sim e que nunca havia tomado coragem para fazer uma, com rosto de espanto ela questionou com um ponto de interrogação no tom de voz:
- Como alguém tem coragem de enfrentar o mar, ir mais fundo e não consegue tomar coragem para fazer uma tatuagem? 

Eu sorri em sinal de denúncia, olhei na direção do mar e respondi como quem conta a vida inteira em pedaços:
- Eu só tenho coragem de enfrentar as ondas, porque elas levam tudo, elas tiram o que se solta no mais profundo de nós. O que eu faço questão de deixar ir, a tatuagem nunca será assim.

No fundo da alma meu medo sempre foi ter alguém marcado demais em mim, e no fundo do mar tinha a certeza da minha liberdade. Ela descruzou os braços e me abraçou, num ato que me tirou a menor das reações, voltou a me olhar nos olhos e me mostrou uma tatuagem na parte debaixo do pulso. Eu não queria sair dali, não queria ter aquele sentimento de me unir a uma pessoa por um dia e depois me separar por uma vida inteira, queria que aquela fosse a última vez, o fim da procura. A cura definitiva da cicatriz.

Ela levantou o pulso e me mostrou uma pequena nuvem com dois corações dentro, eu olhei sem entender e ela me disse:
- Quando alguém nos leva até as nuvens é porque nunca teve vontade de permanecer sozinho. Lá as ondas do mar não chegam, lá elas nada podem apagar.

Estávamos ali debaixo do céu mais perfeito de todos, estava marcado em alguém que sempre esteve marcado em mim. Estávamos ali sem saber, tatuados num céu de agosto.

W.O.

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