quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Águas do passado


Seu e-mail apagou meu dia. Transformou as últimas vinte e quatro horas em profunda escuridão. Recebi um lembrete da dor, um bilhete avisando que a cicatriz não se fecha, um recado dizendo que a lembrança não estanca o sangue. Depois de anos de alegrias comuns, surgem os momentos de tristezas incomuns.

Dor é a surpresa mais dolorosa de todas.

Correspondência que entra pelos olhos, invade a mente, o coração e escorre novamente por onde entrou. Qualquer final de tarde é noite, qualquer dia é noite, qualquer pensamento é noite. 

Quem superou a dor sempre volta para dizer que não se lembra mais. Quem mantém a dor sempre vai atrás para lembrar o outro o quanto ainda continua sofrendo. É um ritual de auto flagelação.
Não sei como começamos, mas sei como terminamos. Sempre nos lembramos mais dos finais que dos começos. É a dor que nos choca muito mais que as alegrias. Dor nos marca com fogo, é a tatuagem das nossas atitudes impensadas, é uma forma de nos lembrar que não somos nada além de reféns de nós mesmos. Recompensa de minutos que duram eternidades. 

Eu não odeio você e nunca teria coragem para isso, mas então qual o motivo de ter coragem para terminar?
Qual a vantagem em se quebrar em pedaços ao longo dos anos? 

A dor da separação nunca vem na hora, ela começa em minutos e não tem prazo para terminar. Eu ainda ouço suas músicas favoritas, ainda lembro de suas caras e bocas, ainda me pego sorrindo quando me lembro do seu jeito engraçado. Ainda resido na própria tortura, ainda discuto com a própria loucura, ainda não acredito em minhas próprias atitudes. Sobrevivo nas lembranças mais amargas. 

Minha mente é um poço de remorsos. 
Me afogo nele sempre que tento tomar mais uma dose de você. 

A sensação de não poder reverter os acontecimentos é a mesma sensação da morte. É o choro pelo que não tem mais volta, é o abraço em outras pessoas que nos lembra quem se foi. Nos lembra também quem fomos. É a incapacidade de ser outra vez, é a falta de oportunidade de restaurar um muro que acabamos de derrubar. É a vontade de fazer sem poder. É um rio que deseja desaguar num mar que secou. Perde a nascente, perde o destino. Perde a razão.

Hoje me senti assim e foi estranho. Não entendi meus sentimentos nem sabia o que pensar. 

Você me deixou vivo para que eu sempre sinta a falta que nunca senti antes. 

Me deixou vivo para ir tirando a minha vida aos poucos.

Se tirar a minha vida te fará viver novamente então que seja essa a minha forma de continuar vivendo em você.

Eu sempre ressuscito, sempre sei nascer novamente, me mate quantas vezes quiser.

Águas do passado podem até molhar a nossa alma, porém não matam mais a nossa sede. 

W.O.

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