terça-feira, 26 de abril de 2016

Já é tarde...

Vasculhei minhas gavetas e armários procurando uma camisa, havia acordado atrasado para o trabalho, pulei da cama e quase cai dentro do guarda-roupa. O atraso me fazia querer segurar pelos ponteiros do relógio, minha vontade era que o tempo voltasse, pelo menos por alguns minutos, mas era em vão. Atrasei-me, senti o arrependimento pela demora, adormeci no paraíso da imaginação e despertei no purgatório da acusação.

Não havia mais tempo para pensar, enquanto eu o fazia, o tempo cortava a velocidade da luz, era impossível voltar. Enquanto com uma das mãos colocava a camisa, com a outra segurava pela barra da calça, os dentes serrados mantinham minha gravata presa, me senti um malabarista de circo, notei que uma simples atitude transformara minha vida em uma bagunça, uma palhaçada inesperado, uma comédia sem plateia, um fracasso só meu.

Nunca sonhei perder meu emprego.

No amor também perde se a hora, adormecemos na zona de conforto arquitetando o inferno do outro e acordamos solitários. Não existe amor que suporte a indiferença do atraso, em doses constantes, em malabarismos desconcertantes tentando concertar. O atraso de ser gera a falta de fazer, mata à atitude e ressuscita o anonimato.

Você pode estar junto com alguém por anos e ainda assim ao acordar deparar-se com um estranho, não que ainda exista o outro do seu lado, mas se depara consigo mesmo, a solidão expõe quem somos de verdade.

A solidão nos encara, nos desmascara com os dentes rindo de nossa ilusão.

No amor não existe maior engano que o de imaginar que já não precisamos fazer mais nada, que o jogo está ganho, que a pessoa que conquistamos não precisa mais da atenção do começo, não necessita mais dos cuidados de médico, da compreensão de ouvinte, da gentileza de alma, da selvageria de corpo.

No amor a certeza pode ser perigosa.

Conquista é casamento de todos os dias, sem ela morremos no divórcio da felicidade, abraçados a nossa solidão.


W.O.

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Antídoto.

Hoje eu fiz uma visita ao meu médico particular e depois de contar-lhe toda a situação que rondou os meus últimos meses de vida, seu diagnóstico foi o seguinte:

- Você não tem nada e ao mesmo tempo tem tudo!

A consulta, realizada em uma mesa de botequim foi com o Paulo, amigo de longa data, meu primo de sangue e médico por ofício. Atende-me nas horas vagas, nas horas em que eu vago por aí. Entre uma cerveja e outra Paulo me socorria, perguntava o que eu estava sentindo e eu embalava em uma nova história; entre conclusões e interrogações, Paulo só tinha cada vez mais a certeza de que meu estado era grave, ora olhava nos meus olhos e morria de rir, ora colocava as mãos na cabeça e embutia um semblante de preocupação misturada a admiração, pois sabia que eu  havia me tornado um viciado em me apaixonar e não tinha mais volta.

Ele me disse que caso continuasse dessa forma, eu passaria a frequentar as bocas por aí, faria uso dos perfumes alheios e passaria a furtar lingeries de vários tipos como forma de marcar a minha infinita delinquência emocional e sexual pelas mulheres.

Contei a ele que em uma das últimas tentativas de conseguir sobreviver nesse mundo de escravidão sentimental, fui roubado e também roubei, roubei muito, tirei tudo de várias mulheres, inclusive a roupa. Na tentativa de sequestrar alguém, quem foi mantido em cárcere privado fui eu. Não deu certo, minha relação com a refém foi péssima e a libertei mesmo sem pedir resgate, minha libertação foi deixa-la partir. Nas tentativas de assalto á mão amada, fui recolhido pelo policiamento do meu passado, pelas rondas de minhas ex no meu facebook e whatsapp.

Contei também que depois de tantas tentativas eu resolvi ficar na minha, pois a última delas não havia sido bem sucedida, preferi me dedicar ao meu trabalho, a alguma atividade física que pudesse substituir temporariamente o sexo, jogos e passatempos para me distrair desse mundo marginal.

Paulo ouviu tudo e me questionou:

- E adiantou se afastar desse mundo?

Eu dei mais um gole no último copo de cerveja e respondi de forma negativa balançando a cabeça de um lado para o outro. Consegui ficar longe disso somente um mês ou dois, a paixão foi me buscar como os traficantes fazem, invadiu meu coração e levou tudo, me levou junto, me entregou para um novo alguém. Eu tentei negociar, tentei deixar claro que esse tipo de crime não compensava mais e que poderíamos somente viver aquela noite e nunca mais nos vermos; 

Foi em vão.

Depois daquela noite, depois de ficar junto das 21:30hrs da noite até ás 07:00hrs da manhã do dia seguinte eu percebi que continuo viciado em ser feliz, viciado no antídoto para o que nunca deu certo,para uma doença que nunca encontrou sua cura, viciado em fazer feliz aquela que veio se apaixonar, veio me apaixonar...

Não tenho mais nada com o meu passado e tenho tudo de novo podendo amar.


W.O.

sábado, 2 de abril de 2016

Mausoléo de Amores

Todas elas estão lá. São muitas histórias para contar, recordações, lágrimas, mentiras, memórias, arrependimentos, justificativas, medos, dores, reclames, derrotas e vitórias.

Cada uma das mulheres que passaram por mim permanecem cativas de si mesmas.

Foram hospedadas num local de minhas memórias, um memorial de lembranças carinhosas e de aprendizados insolúveis.

Cada uma delas recebeu transferência depois de cumprida sua missão. Passaram por mim, permanecendo o tempo suficiente para que agora gozem de um descanso merecido.

Foi o purgatório da paixão.

Todas elas vivem os dias se dedicando as lembranças. Enquanto costuram uma toalha de ressentimentos e saudades,emendam uma conversa que recai sobre minhas atitudes passadas – elas continuam reféns dos próprios amores – conversam sobre como foram parar ali, tentam compreender o que deu de tão certo ou de tão errado em suas vidas. Não entendem o motivo de serem perseguidas por minhas memórias mesmo depois de mortas.

Foram perseguidas em suas vidas ao meu lado e permanecerão perseguidas em minhas lembranças. Foram sugadas por minhas felicidades.

Algumas delas se lembram de mim com saudade, outras com tristeza, arrependimento, friezas e alegrias. Hora tenta esconder o sorriso, hora busca estancar a lágrima.

Com o passar dos anos a lotação aumenta, porém nem todas recebem visitas...
Muitas delas foram abandonadas pela família da esperança, outras foram inundadas pelo desespero da solidão, porém algumas já não sentem mais nada; nenhuma emoção as toca, nenhum sentimento as invoca.

Cada uma delas morreu de convivência, as causas não foram totalmente conhecidas, porém ambas testemunham inúmeras sensações.

Sempre que posso levo flores e as visito em meus pensamentos...

W.O.