domingo, 5 de outubro de 2014

Empregado no amor

Me leve embora. Tire-me daqui, eu quero te ouvir, eu quero calar. Faça de conta que um novo dia raiou, faça seu tudo ou nada por mim, faça de luto o meu medo sem fim. 

Só quero viajar se for com você, só penso em me mudar se for com você, preciso viver mais nas suas fronteiras e menos em meus limites. Preciso descobrir o que só o seu coração exclama, aperta, sangra e afaga. 

Quero férias de mim. 

Passarei minhas férias dentro de você, sentirei minhas rimas em você, ouvirei meus discos em você, pensarei problemas em você, cantarei detalhes em você, contarei os segundos com você. 

Será o período mais coletivo de todos. Enfim, minha vida tirando férias de mim e te dando trabalho, ocupando suas horas extras com ternuras, relatórios infinitos de elogios, planilhas buquê de flores, reuniões entre beijos cores e amores. 

É um privilégio ser funcional dentro do outro e trabalhar com o amor, pois transformo meu descanso em trabalho para ser o nosso descanso. Cansei de descansar sozinho. 

Bato ponto em cada dia da sua vida, confiro seus extratos de satisfação, transformo seus finais de semana em férias coletivas ao meu lado, você recebe a participação em todos os nossos lucros. 

Somos o prêmio um do outro.

Eu tiro férias de mim para trabalhar em você, para ser o melhor em sua avaliação, para mostrar que eu me interesso que eu me esforço para me destacar como o seu funcionário do mês. Busco sempre minha promoção dentro de você. No amor quem se acomoda acaba desempregado.

Não é tão simples conseguir um emprego no amor, é preciso muito mais que um currículo de amores e paixões do passado, é preciso comparecer em todas as entrevistas, é preciso saber falar, ter boa memória e saber elogiar. Amor não perdoa gagueira, esquecimento e falta de atenção.

Para se tornar um empregado no amor é necessário ser demitido pela paixão.

Quando sentir que você se tornou um empregado no amor, você será demitido pela paixão sem aviso prévio e será contratado para sempre. Nunca mais terá coragem de pedir demissão. 


W.O.


quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Sem medo da chuva


Foi um choque para a solidão, ela não estava preparada para o seu retorno. Pediu desculpas, enxugou as lágrimas e jogou a toalha. Minha vizinha mais triste me deixou, minha algema em forma de abraço deslizou destrancada pelo chão da minha alma, estava desbotada e vencida, enferrujada pelo tempo, já era tempo de me deixar.

Os cenários dos desencontros foram esquecidos, as brigas e discussões passageiras foram embora, desentendimentos embarcaram num caminho sem volta, as lutas foram vencidas pelo silêncio absoluto e embasbacado, as luzes da indiferença se apagaram.

Quebrados foram os filamentos da discórdia. 

Finalmente o amor estava de volta. 

Novamente meus segredos me fizeram valer as dores do passado, as lembranças me encantaram de uma forma diferente. Seu olhar de chegada vasculhava um vazio dentro de mim e encontrava o que eu escondi durante todos esses anos longe de você. Isso é seu, nunca foi de mais ninguém, permaneceria guardado ainda que você não voltasse, permaneceria intacto e livre de qualquer aventura nova. Sempre guardei a esperança bem longe da ingratidão. Sempre mantive sua memória livre da sentença dos desencontros.

A aproximação foi câmera lenta, o palpável agora era inacreditável, toda admiração era sentida, compreendida e examinada pelo abraço mais forte, mais longo e mais solto de toda a alma. Era o reencontro inédito. Era o apelo mudo, era o afago mútuo, a respiração descompassada e despreparada.

Eram as mãos deslizando o desespero da desculpa em forma de lágrimas de fidelidade infinita. Um segundo de encontro não era capaz de entender anos de distância. Inaceitável é viver pela metade, só duas metades podem apagar o passado e desenhar um longo futuro.

Confessamos nossa devoção em meio ao choque mais extremo, declaramos nossa insensatez diante do sinal de nossa culpa, diante do medo de uma nova ausência do outro dentro de nós, diante da possibilidade de ser solidão no outro.

O implícito se revela no incontrolável, no inadmissível.

Minha paixão sorriu quando sentiu que minha boca ainda servia na sua, quando voltou a se abrigar na unidade mais doce de todas, quando percebeu que o tempo não perdeu a nossa memória e nem se desfez de nossos abrigos. 

O beijo de despedida de anos atrás estava sepultado em lábios ressurretos de felicidade. 

Você voltou com a melhor de todas as minhas esperanças. Como a terra espera pela melhor de todas as chuvas, o melhor de todos os cheiros, não sinto medo da chuva.

Seu amor foi fruto de um longo hiato de sinceridades. Longe de mim esse fruto amadureceu e ficou pronto para saciar nossas fomes de cumplicidade. Agora o que salta à vista de todos é a forma como nos encaixamos para nunca mais soltar. 

Ao seu lado confesso tudo o que sempre pensei.

O amor não tem pressa de chegar, o amor sempre volta.

W.O.