sábado, 30 de agosto de 2014

O céu de quem ama

Pessoas chegam e vão embora com a mesma atitude, porém jamais do mesmo jeito, jamais da mesma forma. Toda chegada se parece com uma partida, cada “adeus” lembra um “oi”. Pessoas se despedem da mesma maneira que se cumprimentam. É um abandono anunciado.

Nossa maior tendência é a de sempre abandonar o que é bom. Trocar o que é bom pelo que parecia bom. Na dúvida jogamos fora o que temos, em busca de uma promessa que nem conhecemos. 

Possuímos a vocação dos insatisfeitos, a reclamação dos infelizes e a ausência de inteligência dos solitários.
Quantos de nós, solitários, infelizes e reclamando um mundo que não existe?

As partidas sempre me fizeram bem, eu fazia do quarto de casa o local do meu próprio velório. Virava a madrugada daquela data infeliz velando meus acontecimentos. Chorava a morte do relacionamento, chorava pela vida de quem se foi.

Chorava sobre os meus medos. Chorava sobre as minhas ilusões. Quando a lágrima escorre a cabeça dói, o peito aperta e o desabafo é involuntário. 

Não é tão simples nascer novamente. Algo precisa morrer para que isso aconteça.

Sempre choro agradecendo por ter conhecido alguém tão especial, tão diferente, tão grande, mas que durou tão pouco em mim. Meu choro sempre é a busca em tentar entender o motivo de eu ter sugado tanto alguém que não tinha o poder de me preencher por completo.

Sempre choro por não economizar o outro. Sempre não economizar e perder.

Choro é sempre uma certeza. Nem sempre a notícia boa.

Quando se chora na despedida carregamos o desespero de deixar ir. Abrir a porta para uma parte do que éramos e mudar com a despedida. A inquietação de permanecermos sozinhos.

Somos vulneráveis quando choramos, nos tornamos seres sujeitos a receber uma palavra qualquer, qualquer palavra que seja e ainda agradecer. Ficamos abertos a receber alguém novamente. Alguém que depois de um tempo pode nos levar de volta ao choro.

Desejo que a vida seja única com várias mortes. Muitos enterros, muitas cinzas deixadas de lado, muitas razões para nascer novamente.

Quem se vai também morre. Quem se vai morre para nascer novamente em outro alguém que também buscava a ressurreição.

Como é bom se sentir mais vivo depois de passar pelas mortes no amor. 

O céu de quem ama é um amor eterno.

Quem ama de verdade nunca morre. Quem ama fica até depois da morte.

W.O.


sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Silêncio e Resposta

A renúncia mora na denúncia e se esconde na pergunta. Toda mulher pergunta denunciando, pergunta pedindo socorro, dando sinal de morte, esperando sinal de vida. Pergunta buscando ser compreendida, pergunta com o temor de que jamais ouça a resposta. Mulher é urgência.

Quando perguntam: “você me ama?” estão buscando a autoafirmação de um sentimento próprio, mas que mora dentro do outro. Querem ter a certeza de que a casa não está abandonada, querem garantir que não existe vazio, querem despejar a solidão. 

Querem a garantia de que a escolha não foi um engano. Que o amor continuará morando ali.

Quando questionam: “como foi seu dia?” estão buscando a conversa, clamam pelo desabafo, imploram cuidados, ofendem as noites mal dormidas, protestam a ausência de carinho, denunciam tudo o que falta. 

Nunca conseguem viver com o que sobra. 

Querem a troca de pensamentos. Trocam suas vidas pela vida do outro.

Não responder é pior. Não responder é a rua sem saída, é caminhar começando do raso em direção ao fundo do mar. É se afogar nas tentativas de fuga. Areia movediça das atitudes.

Silêncio permite que a rainha alcance o xeque-mate no tabuleiro de xadrez. Silêncio não salva.

Homem não lida bem com perguntas, suporta mais as exclamações que as interrogações. Não suporta perguntas, pois não lida bem com respostas, não é adepto a dar satisfações. Prefere sumir a explicar o motivo da falta de palavras.

Assim como no tabuleiro de xadrez a guerra do homem é silenciosa e solitária. A guerra da mulher é escandalosa e rodeada. Se for preciso ela chamará quem estiver passando na rua, irá gritar por todos os lados a revolta que nem ela mesma crê. Mulher odeia o silêncio do outro, mas preserva o seu próprio em busca da palavra alheia. 

Mulher espera desde sempre por respostas. Não lidam bem com as afirmações, pois são muito frágeis diante da dúvida. Para elas a dúvida nunca termina. Nunca tem fim.

O melhor é se completar no outro ao invés de se destruir, o melhor é deixar que um seja a resposta do outro. 

O melhor é se deixar ser questionado. O melhor é espalhar afirmações cúmplices. 

Que eu possa ser sempre a resposta para todas as suas perguntas, e que todas elas me tornem sempre a sua peça chave. 

W.O.



quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Águas do passado


Seu e-mail apagou meu dia. Transformou as últimas vinte e quatro horas em profunda escuridão. Recebi um lembrete da dor, um bilhete avisando que a cicatriz não se fecha, um recado dizendo que a lembrança não estanca o sangue. Depois de anos de alegrias comuns, surgem os momentos de tristezas incomuns.

Dor é a surpresa mais dolorosa de todas.

Correspondência que entra pelos olhos, invade a mente, o coração e escorre novamente por onde entrou. Qualquer final de tarde é noite, qualquer dia é noite, qualquer pensamento é noite. 

Quem superou a dor sempre volta para dizer que não se lembra mais. Quem mantém a dor sempre vai atrás para lembrar o outro o quanto ainda continua sofrendo. É um ritual de auto flagelação.
Não sei como começamos, mas sei como terminamos. Sempre nos lembramos mais dos finais que dos começos. É a dor que nos choca muito mais que as alegrias. Dor nos marca com fogo, é a tatuagem das nossas atitudes impensadas, é uma forma de nos lembrar que não somos nada além de reféns de nós mesmos. Recompensa de minutos que duram eternidades. 

Eu não odeio você e nunca teria coragem para isso, mas então qual o motivo de ter coragem para terminar?
Qual a vantagem em se quebrar em pedaços ao longo dos anos? 

A dor da separação nunca vem na hora, ela começa em minutos e não tem prazo para terminar. Eu ainda ouço suas músicas favoritas, ainda lembro de suas caras e bocas, ainda me pego sorrindo quando me lembro do seu jeito engraçado. Ainda resido na própria tortura, ainda discuto com a própria loucura, ainda não acredito em minhas próprias atitudes. Sobrevivo nas lembranças mais amargas. 

Minha mente é um poço de remorsos. 
Me afogo nele sempre que tento tomar mais uma dose de você. 

A sensação de não poder reverter os acontecimentos é a mesma sensação da morte. É o choro pelo que não tem mais volta, é o abraço em outras pessoas que nos lembra quem se foi. Nos lembra também quem fomos. É a incapacidade de ser outra vez, é a falta de oportunidade de restaurar um muro que acabamos de derrubar. É a vontade de fazer sem poder. É um rio que deseja desaguar num mar que secou. Perde a nascente, perde o destino. Perde a razão.

Hoje me senti assim e foi estranho. Não entendi meus sentimentos nem sabia o que pensar. 

Você me deixou vivo para que eu sempre sinta a falta que nunca senti antes. 

Me deixou vivo para ir tirando a minha vida aos poucos.

Se tirar a minha vida te fará viver novamente então que seja essa a minha forma de continuar vivendo em você.

Eu sempre ressuscito, sempre sei nascer novamente, me mate quantas vezes quiser.

Águas do passado podem até molhar a nossa alma, porém não matam mais a nossa sede. 

W.O.

sábado, 23 de agosto de 2014

Trago seu amor de volta em cinco dias

Eu não leio mãos, eu leio pensamentos. Não me contento com a impressão que o físico causa. Isso é pouco para mim. Minha tara é pelo implícito. 

Não tiro cartas tentando o seu futuro, eu tiro sua roupa atendendo anseios do presente. Me satisfaço no ato da consulta. Não prevejo o seu destino, eu te convido a fazer as malas e partir comigo rumo ao desconhecido. Não tenho a menor vocação para adivinhar. Minha alegria vive no chute, se alimenta do risco e da tentativa. É muito mais feliz aquele que se arrisca a viver.

Nenhuma cartomante me suportaria, pois sou extremamente à favor do acaso. Não me interessa o que vai acontecer, não gostaria de saber ainda que fosse verdade. Vamos imaginar que alguém de carne e osso realmente tivesse condição de saber algo sobre o meu futuro, eu fatalmente exclamaria:  “cale-se! Eu não tenho futuro ainda”.

Não quero que me diga o que ainda vou escrever, não gosto de futuro pronto.
Meu futuro é um presente que ainda não compraram. Um embrulho que ainda vai chegar.

Meu método é infalível, pois é diário. A satisfação é garantida, pois é ao vivo. Trago seu amor de volta em cinco dias, faço com que depois desses cinco dias você passe a falar mais de você mesma do que de qualquer outra pessoa. A descoberta do amor próprio em uma fração de semana. 

Segue abaixo minha programação: 

Dia 1: Nos conhecemos e dividimos um café da manhã. Quero saber quem você é pela forma como segura a xícara, pelo jeito como dispõe os talheres sobre a toalha de mesa, (quando acordamos somos outras pessoas).

Dia 2: Deixo você falar tudo o que quiser, descarregar um caminhão de areia nas minhas expectativas, desabar sobre minhas vontades a sua realidade. Desabafar seus medos, (quem fala com liberdade se sente protegido).

Dia 3: Vamos ouvir música deitados no sofá da sua sala. Quero olhar nos seus olhos enquanto a trilha sonora desenha as atitudes. Vamos marcar territórios através das notas musicais, (quem sabe decifrar o silêncio gera atitudes sem palavras).

Dia 4: Quero andar com você por um lugar público, onde todos te conheçam. Temos que correr riscos juntos, preciso saber quem você é na hora do aperto. Se possível é bom que a gente encontre seu ex namorado para assegurar a eficácia do tratamento, (quando não devemos mais nada ao passado é que recebemos tudo do presente).

Dia 5: No último dia peça um lanche bem grande, sente-se na minha frente e me olhe nos olhos. Quero observar suas atitudes, quero perceber se você sabe esperar até que os pedaços sejam repartidos, quero reparar na maneira como você mastiga cada pedaço. Nas coisas mais simples é que moram as verdades sobre nossa personalidade, (caso me ofereça o maior pedaço do lanche já estará cuidando de mim sem saber).

Ao fim do quinto dia você se sentirá muito melhor que antes. Não vai querer interromper a terapia leve e silenciosa da própria descoberta. 

Você é muito mais feliz do que pensava, do que se deixava pensar. 

Descobriu em você uma outra pessoa muito melhor e eu nem fiz nada, apenas deixei você se mostrar. 

No amor compreensão é espaço. 

Seu amor está de volta e você nem percebeu. 
Seu amor é você mesma muito mais do que eu. 

W.O.